Instrumento de transformação social, o funk gera renda, movimenta a economia e promove mudanças na realidade dos jovens das periferias brasileiras.
Melody, ostentação, proibidão ou 150 bpm, o funk foi influenciado pelo miami bass e pelo freestyle, ambos vindos dos Estados Unidos na década de 70. Aqui no Brasil, o gênero se popularizou e conquistou o seu espaço no cenário musical. Como o samba e o rap, gêneros que originalmente retratavam a realidade da população marginalizada, o funk se origina e se legitima nas periferias. Alvo de tentativas de silenciamento pela onda conservadora que continua a avançar no Brasil, cada batida tem sua particularidade e sonoridade, mas com um ponto em comum: a narrativa do cotidiano das quebradas.
A ideia de que as letras das músicas apenas fazem alusão ao uso de drogas, à violência e à sexualidade explícita é uma manifestação classista e racista. O preconceito mora aí. Além da pretensão de manter a ordem nas ruas e evitar barulho, como já faz a Lei do Silêncio no Distrito Federal, o movimento conservador quer calar as vozes que ecoam das favelas. O conservadorismo e a intolerância querem isolar a juventude pobre e preta num espaço ao qual ela não pertence, quer mantê-la marginal, sob a justificativa de “crime de saúde pública contra a criança, o menor adolescente e a família”. Era o que dizia a proposta legislativa encaminhada ao Senado Federal, que contava com mais de 20 mil assinaturas.
Enquadrar o funk como uma “falsa cultura” é assumir que exista uma cultura verdadeira. É negar incisivamente as nossas diferenças – raciais, sociais, econômicas, políticas e tantas outras. Essa concepção tenta acentuar as desigualdades sociais através da criminalização de todos os meios de sobrevivência do povo preto e pobre. Com efeito, a manutenção desse pensamento leva à desumanização desse povo, escondendo suas origens e negando suas histórias.
Por outro lado, apesar da estigmatização, também reforçada pela mídia, o funk movimenta a economia. Você já deve ter ouvido falar do KondZilla, certo? Os caras impulsionaram o cenário audiovisual do funk, gerando trabalho e renda, e conquistaram um público fiel. O canal da produtora de videoclipes no YouTube já rende 20 milhões de inscritos e mais de 10 bilhões de visualizações. Segundo o SocialBlade, um site de estatísticas para mídias sociais, o Canal KondZilla, em pouco mais de seis anos, é o maior canal de música do Brasil e o 27º do mundo. Devemos concordar que isso não é pouco.
Em São Paulo, a Associação Cultural Liga do Funk promove atividades usando o gênero musical como instrumento de inclusão social. Sabendo dos perigos que os jovens estão expostos, a instituição funciona como um espaço de formação, tanto musical quanto social, estimulando o crescimento profissional dos jovens que se interessam pelo funk. A instituição oferece aulas de postura de palco, canto, teatro e rima, além de promover debates sobre questões sensíveis como violência contra as mulheres, redução da maioridade penal, luta LGBT, conscientização sobre o uso de drogas e outros temas.
Iniciativas como essas pretendem desmistificar uma visão incutida ao imaginário brasileiro sobre as favelas e, principalmente, sobre as pessoas que lá residem. MCs, homens e mulheres, cantam a realidade da periferia para a periferia. Esses movimentos visam o crescimento pessoal e profissional da juventude. Eles instigam o exercício da cidadania e dos jovens dos maiores instrumentos de combate à intolerância e ao preconceito: conhecimento e informação.